O paradoxo do filho morto


Beijamin nunca foi uma criança comportada. Nunca foi calmo. Não comia bem. Chorava muito. Muito. Batia nos mais velhos sem motivo. Arremessava brinquedos pela casa. Ele ouvia muitas comparações entre nós. Eu era obediente. Eu prestava atenção. Eu não bagunçava a casa. Mas apesar dele sempre ouvir que ia “morrer” quando subia em muros, pulava de lugares altos, brincava com fogo e etc, a culpa não foi dele quando um caminhão veio a 130 KM por hora em um cruzamento e atingiu nosso carro.

Meu irmão tinha dez anos e eu tinha doze. Eu só lembro de acordar do hospital e ver um bocado de gente do meu lado. Ninguém realmente me contou. Ou eu estava zonzo. De repente, eu estava num velório ao lado de um caixão pequenino, branco e fechado. Por dias, ninguém falou nada sobre. Por meses, eu diria. A casa parecia artificialmente desbotada e naturalmente silenciosa. Mas com o passar do tempo, o nome dele voltou a ser mencionado.

A primeira vez foi num jogo do botafogo. Meu tio citou que Beijamin jogava muito bem. Um talento nato. Meu pai disse que ele podia ter seguido carreira. Já estava na escolinha há dois anos. Era o sonho do meu pai ter um filho jogador profissional. Outro dia qualquer, minha avó comentou que ele estaria fazendo treze anos. E com essa idade “Obviamente já teria um monte de namoradinhas”. Lógico, ele era tão lindo, tão falante, tão engraçado.

Eu sempre tirei notas ótimas. Principalmente em matemática. Então meus pais sempre acharam que eu seria o “empresário da família” enquanto Beijamin seria o “bon vivant”. Mas eu gostava muito mesmo de matemática. Tanto que quis fazer isso: ensinar. Meu pai nem esboçou um sorriso quando eu passei no vestibular. Na minha festa de formatura, depois de um Whisky e outro, meu pai disse: “Depois de amanhã o Beijamin faria vinte e três anos. Com essa idade acho que ele já estaria jogando na Europa”.  Eu acenei. Concordei.

No dia do enterro do meu irmão, eu olhei bem para os meus pais. A expressão deles era tão devastada que eu acreditei que eles nunca mais voltariam a sorrir. Então, eu tenho certeza que perder um filho é a pior coisa que pode acontecer com alguém. Mesmo com doze anos eu entendi isso. Mas, ao mesmo tempo, existe um certo tipo de orgulho macabro. Um filho morto não mata suas expectativas. Ele não decepciona. Todas as suas qualidades estão intactas na memória dos pais. E todos os defeitos sete palmos a baixo da terra.