Toma jeito, menina!


Juane Vaillant

Tinha essa menina e ela era tudo menos jeitosa. Não sabia sentar direito, se portar, comer direito, nada. Falava muito. E falava alto. Ria quando dava vontade e chorava na mesma proporção. Era um escândalo. Não tinha modos.

Para piorar gostava muito de ler. E questionava tudo e todos. E isso não é coisa de menina. Menina tem que que ser educada, claro. Mas não muito. Não a ponto de ser inconveniente. Menina pode questionar, até que as vezes pode. Mas olha o tom. Sem deboche. Sem palavrão. Isso é coisa de homem.

Ela até que gostava de coisas de menina. Boneca. Vestido. Maquiagem. Mas isso ia por água abaixo quando mostrava sua coleção de tazos ou as revistas sobre Dragon Ball e Pokemon. As meninas podiam gostar dessas coisas. Mas ser fã assim era para os meninos. Até os meninos, da sua idade, não aceitavam muito. Achavam que não era coisa de menina. E achavam irritante ela saber mais do assunto do que eles. E até hoje eles acham isso um pouco.

“Pra ser bonita tem que sofrer” Diziam as outras, mais velhas. Mas essa pequena não gostava de regras. Nem de sofrimento. Não ia emagrecer só por emagrecer. Não ia cortar o cabelo só por cortar. Não ia comprar roupa nova só por comprar. Ela poderia até fazer tudo isso, mas na hora que isso parecesse uma boa ideia. No momento que ela quisesse.

 A menina cresce e gosta de beber. Não liga de ficar com muitos caras, não volta cedo, não tem vergonha de falar sobre nada e odeia muito dar satisfações. Não liga também para o fato de quase nunca namorar sério. Para ela isso é como uma viagem para o exterior. Pode ser massa. Mas você não precisa ir pra um pais de merda só pra dizer que foi. E isso é ruim pra ela. Não é o que as pessoas esperam e elas esperam muito.

Não que as vezes, todas essas regras e criticas não a abalassem, não a deprimissem. Claro que sim. Ela era menina e não robô. As coisas que passavam por ela, podiam não derrubá-la. mas ela envergava.

Mas um dia, entre uma queda e um salto, ela  encontra  o termo “feminismo” e se apaixona. Começa a negar tudo que pensava, que era, que tinha. Desfaz amizades, começa outras instantâneas, devora livros e vai as ruas.  Se abre por inteiro, comete uma porção de erros, até se encontrar.

Até saber, que não existe modelo de mulher. Nem no machismo e nem do feminismo. Não existe formula, não existe resposta certa. Existe apenas a sua vontade, aplicada com o respeito ao outro e a você mesma. Que você pode gostar de maquiagem e de filme de guerra. Fazer chapinha e não depilar a perna. Ter seus momentos de bela e seus momentos de fera.

A garotinha enfim, torna-se uma mulher. Sem precisar tomar jeito. Seguindo seu ritmo, seu passo, assim. E embora eu seja ela, esse texto não é sobre mim.