Anti-herói acidental


Todos os dias eu acordava na esperança de que ela tivesse desaparecido. Abria os olhos lentamente e olhava para os lados. Respirava aliviado por um segundo ou dois. Mas lá estava ela. Me olhando nos olhos.Sem medo,sem pestanejar. Eu tinha medo. Eu vacilava.

Todas as pessoas pareciam saber quem ela era. Não sei se alguém tinha a conhecido tão a fundo quanto eu. Mas eu tinha certeza que ninguém podia vê-la. E isso era o pior. Todas as vezes que eu recusava um convite para uma festa, que deixava de ir trabalhar, que me trancava em lugares inusitados como banheiros de loja ou carros alheios, alguém me perguntava “porque você fez isso?” Eu dizia que era por causa dela.

Eu tinha medo. E tinha nojo. Mas o problema, é que ela era minha. E eu tinha que conviver com isso. Sempre fui do tipo que joga responsabilidades nas pessoas. Que não assume seus atos, que joga para o alto. Eu tratava com sarcasmo e displicência tudo o que parecia ser sério demais, importante demais. No inicio, as pessoas achavam isso engraçado. Como um traço na minha personalidade, um tempero. Mas eu não sou um personagem. Na vida real você não gosta de conviver com o Coringa. Com o Jesse Pinkman. Com o Malfoy. Comigo.

Não que eu me considere um vilão. Não que eu considere todos esses caras vilões. Mas isso só é interessante na ficção. As pessoas pensam que dão conta, mas não dão. Eu pensei que dava conta também. Eu criei, pouco a pouco, em banho maria, toda essa fama, essa arrogância, essa armadura. E quando eu convenci a todos, eis que ela apareceu. Para me bater na cara. Bater de frente. Nunca pelas costas como eu fazia.

E dia após dia eu ficava mais fraco. Mais incapaz. Mais desarmado. Ela me encarava. E eu virava os olhos. Embora eu soubesse, no fundo, que nunca iria escapar.

Não era a Morte. Mas a Culpa ia me matar aos poucos.