Sobre quem vai para poder ficar


O maior medo que ela tinha era o de ser esquecida. Para ela, o esquecimento é pior do que a própria morte. Talvez, muito talvez, porque reconheça, no próprio 'olvidar', o fim. Por isso que, quando decidiu ir embora, Alice chamou todas as pessoas por quem ela gostaria de ser lembrada para uma reunião de despedida.

Dos mais de dez convidados, foram quatro. Uma das amigas precisou ir embora lá pelas 22h, porque tinha marcado de ir a um show de uma banda chata com uma pessoa legal.

E Alice não parava de acender e terminar seus cigarros.

Enquanto a música tocava e todos se divertiam, eu notei qualquer coisa de triste em seus olhos. Como quem força um sorriso para não chorar.

- Que houve, meu bem? - perguntei.

Balançou a cabeça e sorriu, tomou mais um gole da cerveja e levantou o copo. Brindei e fiquei rindo, tentando entender o que se passava naquela cabeça. É certo que Alice não se encaixava em nada. Detestava a faculdade de filosofia, seus colegas de turma e seus professores. Detestava ter que sempre provar que sabia alguma coisa.

Detestava ter que sair nas baladas fingindo gostar das cantadas dos rapazes só para que nunca chegasse, aos ouvidos de sua mãe, o contrário. A verdade era que Alice amava ouvir cantadas sim, mas das garotas.

Detestava que, aos 24 anos, não conseguia ser dona da sua própria vida, como sempre imaginou que seria. Detestava, muitas vezes, - e sentia-se mal por isso - o próprio convívio com a mãe. E, então, foi embora. Não que tudo isso fosse perceptível, muito pelo contrário. Alice sabia ser discreta e disfarçava todo seu desconforto com piadas e ironias engraçadas. E todos sempre riam.

Acontece que, mesmo que eu também achasse graça das suas histórias, conseguia encontrar nos seus olhos qualquer verdade, como se ela realmente quisesse me contar. Como se ela, realmente, quisesse ser compreendida.

Então, já no ponto alto da noite, quando todos estavam bêbados, perguntei novamente o que estava acontecendo. E, com uma lágrima na entrelinha do sorriso, Alice me respondeu:

- Não quero que me esqueçam.

Não poderia garantir nada em nome das outras pessoas e nem queria ter que dizer qualquer coisa estúpida só para que ela se sentisse bem. Então, das opções, só me restou dizer a verdade:

- Bom, eu não vou.