Sorriso sem graça


Estava se sentindo extremamente cansada e com uma leve dor no pescoço, na região da nuca. Foi dia de desfile, lançamento da nova coleção de uma grande marca brasileira. E ela foi lá, ser assistente de tudo-quanto-é-coisa e fazer de tudo e mais um pouco. Pegou água, serviu café, assistiu as modelos em tudo o que elas precisaram, enquanto o rádio comunicador não parava de apitar. Tudo isso para, no final do dia, receber seu dinheiro sem um "muito obrigada" como brinde. Não que ela precisasse de um "muito obrigada", mas é que o ar de Vera era extremamente arrogante - e isso a cansava mais do que todas as outras coisas.

Sentou-se na cama e admirou a cidade através de sua janela extravagante. Suspirou. "Preciso de férias", pensou, enquanto se perdia no tempo a observar as luzes e os fluxos de concreto. Tirou os brincos, os sapatos. Deitou, sentindo-se intensamente grata por poder descansar naquele momento. "Preciso viajar", falou. O interfone tocou. Passaram-se minutos suficientes para um elevador chegar ao 14º andar de um prédio.

- Oi, querido - falou, enquanto cumprimentava o jovem apaixonado à porta com um beijo. - Pode entrar, meu bem.

Horas depois, ainda acordada, ela repousava os olhos no rapaz adormecido ao lado. Não que o observasse. Na verdade, ela estava pensando em como tudo em sua vida havia perdido a graça e o brilho que costumava ter. Aquela relação permanecia sempre assim, imutável, fazia longos oito meses - desde que ela havia chegado ao Rio de Janeiro. Lamentou por estar se lamentando, já que o rapaz era, afinal, adorável e um ótimo amante. Lamentou por um momento, mas não por muito tempo.

"Devo estar na crise dos 20 e poucos anos", pensou enquanto fechava os olhos para dormir.

"Existe crise dos 20 e poucos anos?", perguntou a si mesma, abrindo os olhos novamente.

Na manhã seguinte, pediu gentilmente que o rapaz apaixonado a deixasse sozinha naquele dia, pois precisava resolver umas questões. "Ah, umas questões do trabalho", respondeu quando ele perguntou do que se tratava. Despediu-se do rapaz com um beijo, enquanto pensava como ele tinha sido irritante ao querer saber o motivo das coisas, mas logo esqueceu o acontecido. Ligou o computador e abriu o site de passagens aéreas promocionais. Em outra janela, procurou pelas praias do litoral brasileiro. Porto Seguro, não. Praia Brava, não. Itaúnas...

Fechou o roteiro com um agente de viagens conhecido e partiu no mesmo dia, com uma mochila e uma pequena bagagem de mão.

Ela se instalou em uma pousada simples, onde tudo era feito de madeira, dando um ar rústico do qual ela achava graça. Na verdade, ela achou graça em tudo. No chão batido, nos poucos andares, nas pessoas, no ar limpo, no céu azul. Tomou um banho e dormiu. O tempo logo fechou e caiu uma chuva rala durante todo o dia.

O gerente da pequena pousada bateu à porta da nova hóspede logo cedo, para avisar que o café da manhã estava servido e que ela podia ficar a vontade. Era um rapaz jovem, com um sorriso um pouco cansado estampado no rosto, um pouco exausto. Os olhos fechavam enquanto ele sorria.

- Meu nome é Gabriel e pode me chamar pro que precisar, senhorita Ana.

Ela agradeceu, ainda com o rosto inchado de uma noite longa que compensou muitas outras em claro. Foi até à pequena varanda que havia em seu quarto e percebeu que as pessoas saíam de casa já preparadas para ir a praia. Fez o mesmo, colocou uns chinelos e foi comer. Depois do delicioso café da manhã cheio de frutas e pães, acendeu um cigarro e sentou-se em um banco, também, de madeira. Pensava em como tudo, em Itaúnas, parecia ter graça, tudo parecia inspirador. Não sabia se o lugar era assim mesmo ou se era ela quem havia decidido ver dessa maneira. Absteve-se dessa questão e fitou Gabriel, que recebia com o mesmo sorriso cansado novos hóspedes. Um casal.

O rapaz inclinou a mão, como quem sugere passagem, para o casal, a fim de levá-los a seus quartos. Foi neste instante que o olhar de Ana cruzou com o olhar de Gabriel. Ele sentiu que Ana dizia alguma coisa, qualquer coisa que ele não sabia decifrar. Ela não intencionava dizer nada, apenas o olhava com um forte desejo de ver um sorriso mais gracioso no belo rosto do rapaz. Queria achar graça nele.

Depois de um dia andando acompanhada de seus poucos pensamentos pelas belíssimas e extasiantes dunas de Itaúnas, Ana voltou para a pousada, que parecia estar deserta. Gabriel estava sentando no banco de madeira, fumando um cigarro. Ao avistá-la, apressou-se logo para apagá-lo.

- Ei, ei. Eu ia pedir um trago - brincou, Ana, sorrindo.
- Ah, coisas do trabalho... - Sorriu aquele sorriso.
- Você não parece tão despreocupado quanto todas as outras pessoas desse lugar. Aliás, onde é que estão todas as pessoas desse lugar? - disse Ana, como quem brincava com um conhecido.
- Foram pro forró. Itaúnas é a cidade do forró e hoje tem festa em vários lugares da vila.
- Hm, entendi.

O silêncio durou algum tempo. Ana olhava o recente anoitecer da vila, que chegou com um céu estrelado, cheio de graça. Sorriu, sentia-se feliz.

- Você é dono dessa pousada? - perguntou Ana, ainda em pé, olhando para o céu.
- Não, meu pai é.
- Ah, que legal. E ele fica aqui, também? Acho que não o vi.
- Não, não. Não fica. - tragou o cigarro.

Ana sentou-se ao lado dele, colocando um cigarro em seus lábios naturalmente rubros. Gabriel a observou. Seus movimentos pareciam mais lentos do que os das outras pessoas, ela fazia tudo com muita graciosidade. Ele a achou bonita, atraente, mas mais do que isso, ele a achou inspiradora. Ela tragou várias vezes, sem nada dizer, apenas sorrindo ininterruptamente.

- Tá tudo bem no seu quarto? - Gabriel perguntou, fitando-a.
- Está, sim. Vocês são ótimos - respondeu, olhando em seus olhos, mas logo voltou a admirar o vasto firmamento sobre suas cabeças. Ele permanecia a observá-la.

Agora, admirava-a.

- Quer ir lá ver se preciso de alguma coisa? - perguntou Ana, sem tirar os olhos da enorme Lua que iluminava mais uma noite em Itaúnas. Ele ficou em silêncio por um momento, enquanto acendia outro cigarro, sem tirar os olhos de Ana. Ela gostou de ser observada, sentia-se, de fato, admirada e não via problema em ficar ali por alguns instantes.

Depois de muito tempo sem que nenhum dos dois nada falasse, Ana suspirou, devolvendo o olhar de Gabriel, como quem pedisse uma resposta.

O rapaz  respondeu, com um largo sorriso que o deixou irradiante:

- Quero!