Um samba qualquer na capital


Fazia tempo que não se viam. Quando uma não estava chorosa pela garganta inflamada, a outra sofria da ausência de carinho numa noite de gripe alérgica intensa. "Quando nos vemos?", perguntou uma. "Quando quiser", respondeu a outra. Chegou o sábado e Uma se preparou para Outra. Ônibus, metrô, trem. Finalmente, chegou ao litoral do litoral.

Outra se arrumava não muito meticulosa para o que quer que fossem fazer naquele fim de semana sem doenças respiratórias. Uma só queria usar de novo seu batom vermelho. Era um rito de empoderamento. Ela e esse tal do batom vermelho. Ela se olhava no espelho e repetia algumas vezes elogios a si mesma, a sua índole, a sua beleza, ao seu intelecto, até se amar completamente.

Quando Outra virou a chave de casa, e as ruas esperavam ansiosas pelo que viria a acontecer, Uma disse: "Se Deus decidir ser bom comigo, algum empresário vai aparecer pra me pagar bebidas". Outra riu. Riu, porque além de Uma ser realmente engraçada, esse era o tipo de coisa que vivia lhe ocorrendo sem que fizesse pedidos a deus.

À meia noite, o samba ecoava na voz de todo povo e de Uma que sambava aparentemente feliz. Outra estava cansada e, sentada, observava de longe Uma tentando se divertir. Uma gritou, cantando: "Viveeeeer e não ter a vergonha de ser feliiiiz". E sambava. Não havia sinal de qualquer empresário interessado em bancar Uma e seu batom vermelho. E, à essa altura, não havia qualquer sinal de que isso fosse mesmo necessário.

Uma fechou os olhos sem deixar de sambar. Cantava, parecia ainda mais feliz. Outra estava lá ainda, com sua longneck, quando viu lágrimas descendo e contornando o sorriso fraco da amiga que seguia rindo, sambando e cantando que a vida "é bonita e é bonita".