Síndrome do Gato de Cheshire


"Às vezes, a gente se perde, sabe?". Ele me disse como se eu não soubesse disso. Os anos que eu tinha a mais me davam certa vantagem, mas, quando esse sentimento de abandono invadia, a gente se olhava e ficava assim mesmo, sem resposta.

Lembrei de Alice que, sem saber para onde queria ir, ouviu do sábio gato as palavras que tem me servido de mantra desde a infância: "Sendo assim, qualquer caminho serve". De fato, o gato de Cheshire é muito mais sábio do que o Pequeno Príncipe, chatíssimo com suas lamúrias carentes.

Enfim, a coisa é que vi um monte de fios de cabelo pelo chão do banheiro e isso não me irritou nem um pouco. Deixei estar. Decidi ser compreensiva comigo mesma e, na ausência de qualquer outro para julgar, sentir a redenção. Mas, com ela, a dúvida. Perguntei ao gato: "Como faço para sair daqui?".

Como faço para deixar esse sentimento de abandono? Como faço para dar conta de ser independente, cuidar da casa e ainda bem resolvida emocionalmente com a vida, com os amores e com o passado? Ele, como era de seu feitio, me perguntou onde eu queria chegar com isso e eu disse que não sabia. Voltei à estaca zero. Qualquer caminho me serve, qualquer caminho sempre me serviu.

Certo. Senti saudades de outros caminhos, mas entendi o gato. Este é agora o meu caminho e há o que descobrir nele. Assim como Alice descobriu.

Notei a comida estragada na geladeira, o lixo a ser retirado e o calendário. Dei asas ao tempo e me pendurei sobre o passado por alguns instantes. A menina de 12 anos que eu era jamais pensaria em estar aqui, exatamente agora. Muito menos a mulher de um ano atrás. A de 12 pensava em esquecer o primeiro amor. A ferida ardida que doeu meses a fio.

"Besteira", dizia a mulher de um ano atrás.

E eu fico aqui tentando entender o que temos em comum. Eu, a de um ano atrás e a menina. Acho que é isso. Alguns anos nos separam, desejos e lugares nos diferenciam, mas continuo perguntando ao gato: "Como faço para sair daqui?".