Uma vez flamengo


Juane Vaillant

Estava frio. Muito frio. Ela odiava sentir frio. Uma das suas melhores e maiores lembranças da adolescência era sair da escola com os amigos, já com o biquíni por baixo do uniforme e cair no mar. As casas da redondeza cheiravam a sal. As pessoas não tinham essa preocupação de estarem sempre arrumados, sempre polidos, sempre discretos. Muito se fala sobre a organização europeia, mas ninguém se pergunta: “a que preço”?

Catharina sentia saudade do Rio como se ele fosse um parente. Um amigo querido. Um amor mal resolvido. Lembrava de suas ruas e cores e  seus cheiros e seus pores do sol. E dos jogos de futebol, claro. Dos de praia, quadra, peladinhas na rua, e o estádio. Os estádios que traziam a história ali, pregada nas paredes.

No velho mundo as coisas pareciam muito novas. Talvez porque seus olhos estivessem desacostumados, talvez porque a onda das restaurações tivesse batido muito forte, o fato é que não parecia orgânico. Aos olhos dela, não parecia genuíno. Ela fez parte da Raça Rubro-Negra desde que se entendia por gente. Dia de final de campeonato ou de clássico, como fla-flu ou flamengo e vasco era quase uma procissão. As pessoas levavam aquilo a outro nível. Não é que o time fosse uma espécie de religião, como era para os ingleses. É que no Rio, time, religião,entretenimento,  família, virava tudo uma coisa só.

Depois de um mês pensando onde ela poderia ir para passar o tempo, decidiu que ia ao jogo. Muitos diziam que ela ia amar, já que gostava tanto de futebol. O Manchester United tinha uma grande tradição e uma torcida enorme. Mas Catharina achou irritante.

Irritante o fato dos ingleses se acharem realmente “os donos da bola” e irritante a crença dos torcedores do United de que aquela torcida era a maior e melhor. Saiu do jogo desolada. Achava que ia se sentir melhor. Achava que ia se sentir mais perto de casa. Andando em meio a aglomeração, pensava nos outros jogos que já tinha ido. Queria resgatar equela emoção. Eis que ela avista, como uma miragem, aquela camisa. Não pode nem acreditar. Dentro do mar vermelho de torcedores do Manchester United, aquela camisa preta com uma listra branca se destacava. Como ela tinha odiado aquela camisa. Aquele time. começou a andar rápido , esbarrando em todo mundo, tentando alcançar o dono da camisa.


Chegou perto. O homem, que devia ter mais de trinta anos, também pareceu notá-la. Ela usava sua camisa oficial do flamengo. Os dois se encararam por um momento, até que Catharina perguntou, em português mesmo: “Você é vascaíno mesmo ou só um inglês idiota com a camisa?” O homem riu de canto. “Aqui é Força Jovem!" Catharina abriu o sorriso mais largo que tinha dado em muito tempo. Ele sacudiu a cabeça afirmativamente. E,como velhos amigos, se abraçaram. Um abraço forte e sincero. E  o abraço foi o mais perto de um pedacinho de casa que ela teve durante muito tempo.