Era Ana Paula e agora é Natasha


Ela acreditava que a probabilidade de as coisas darem errado era sempre maior. E atribuía a culpa dos seus fracassos ao destino que, pensava, parecia nunca querer vê-la feliz. Sentia falta do pai e guardava certo rancor de deus por tê-lo levado tão cedo. Nenhum pai deveria morrer antes dos 50. Era o que dizia quando falava sozinha, como se fosse conversasse com os céus.

Ana detestava que a chamassem de pessimista, apesar de ser frequentemente rotulada dessa forma. Para ela, os otimistas eram só inocentes. Mal sabiam que, provavelmente, as coisas dariam errado e as pessoas seriam babacas quando deveriam ser compreensivas. Pelo menos, era isso o que a vida tinha mostrado para ela até então. Ou melhor, era só o que ela conseguia enxergar.

Adorava ouvir “Natasha” do Capital Inicial, porque foi aos 17 anos que ela fugiu pela primeira vez de casa. “Era Ana Paula e agora é Natasha”. Usava coturnos pretos e uma maquiagem carregada nos olhos. Fez sua pequena mochila e, sem deixar algum aviso, saiu de casa. Ficou algumas noites indo de bar em bar, reconhecendo amigos e pedindo cigarros a desconhecidos.

No quarto dia, uma amiga se compadeceu e decidiu lhe dar abrigo. Na noite seguinte, porém, seus pais apareceram para buscá-la. Guardou rancor de Flávia, a amiga que a delatou, e nunca conseguia esquecer esse nome. Sempre tinha alguma Flávia em sua vida.

Ela lembra que levou uma surra do pai e, engraçado, lembrou disso com certo afeto. Agora, quase vinte anos depois desse surto adolescente, não tinha de onde fugir. Há tempos não reconhecia seu lar em nenhum lugar, então… fugir do quê? Era como se vivesse em uma eterna fuga.

Olhou seu pequeno apartamento e notou que parecia mais bagunçado do que o normal e, deixando a guimba de cigarro no cinzeiro da janela, começou a arrumar a cozinha, depois o banheiro e, finalmente, o quarto. E o disco do Capital continuava tocando. Era um acústico da MTV.

Exausta, sentou-se na cama e tentou lutar contra aquele choro contido que quase a agredia precisando sair. Rendeu-se quando começou a tocar “Tudo o que vai”. Talvez, porque naquele agosto seu pai, se estivesse vivo, faria 62 anos. Talvez, por ele ter morrido uma semana após o episódio da fuga. Talvez, por ter sido ele quem lhe deu seu primeiro disco do Capital. Talvez, por tudo isso, Ana não fosse, de fato, pessimista. Talvez, ela só sentisse saudade.