Peregrino

foto: Juane Vaillant
Tem gente que nasce com essa coceira no pé. Não quer ficar, quer partir. Nem sempre sabe o destino. Na verdade, quase sempre não sabe o destino. Um dia, em uma aula qualquer de geografia, fica hipnotizada por um globo terrestre que gira sem parar. A professora para o globo com um dedo e mostra o lugar onde você está. E você se sente pequeno, muito pequeno, diante daquele mundo em miniatura. 

E daí pra frente, a coceira no seu pé só aumenta. Você começa a andar mais a pé. A dormir fora de casa. Você quer mudar de casa. Você faz amigos por toda parte. Clica em todos os anúncios de intercâmbio, estudar fora, viaje pelo Brasil,  couchsurfing, congressos. Suas mãos ficam nervosas em frente ao computador, procurando por algo que tire as suas limitações, que aumente sua vontade. Que te levante. 

E, um dia, você conhece um peregrino. Alguém que já foi. Alguém cujo o pé coçou mais cedo. Que as mãos ficaram mais nervosas. Que o coração bateu muito, muito forte e simplesmente não deixou ele quieto no lugar. 

E ele te diz que não pensou muito. E diz que nem tudo estava planejado. E que no meio da viagem ficou sem dinheiro. E que as vezes acha que vai ficar uma semana e fica um mês, e que as vezes pensava em ficar muito, mas vai embora logo que chega. Seu pé começa a ficar inquieto ao ouvir. 

Aí, você vê ele descobrindo a sua cidade e a descobre um pouco mais. E você sai da sua rotina porque existe essa pessoa, sem rotina nenhuma. E você vê com seus próprios olhos o quanto a viagem dele é imprevisível. Imprevisível e maravilhosa. Confirma sua teoria sobre atração de energias. Ele consegue conhecer quase todas as pessoas que você admira na cidade e escapa, por um tris, das que não valem apena. 

E ele consegue ir aos seus lugares favoritos. E você conta pra ele sobre os momentos que viveu naquela praia, naquela rua, naquela casa, ou naquele clube de adolescentes. E você percebe o quanto quer criar memórias em outros lugares. Olhar para uma foto e não ver apenas uma praia linda, mas a praia onde você fez uma fogueira com o dia clareando. Não uma avenida, mas uma avenida onde você dançou valsa com um desconhecido. Aquela pedra não é só uma pedra no mar. É uma pedra onde você fez uma cabana de toalha com um novo amigo. 

E você pensa que as viagens são feitas só de chegadas. Mas um dia  ele te diz que se acostumou com a cidade. Com as pessoas, com as ruas, com as cores, com o ar, até com o labirinto. Que amou e foi amado por aqui. Que as conexões superaram as expectativas. Que lhe aperta o coração, mas ele tem que partir. Ele é um peregrino, lembra? 

Você fecha os olhos porque não quer olhar no olho. Você respira fundo porque quer pensar. Você sorri porque entende. Você abre os olhos porque quer se despedir. 

E você pensa. E aí, eu estou pronta para peregrinar também?