Marlboro red


Acendi um cigarro com certa dificuldade, enquanto uma chuva rala caía sobre a cidade e fazia com que as pessoas corressem de um lado para o outro. "Estúpidos. É só uma chuva", pensei. Andava calmamente pelas ruas do centro da cidade, tragando com certo alívio meu marlboro red. Pouco tempo antes, você me dizia que eu era um erro que deus ou qualquer outra força maior, por engano, permitiu existir.

Dentro do carro, você gritava, como se eu não estivesse ali, exatamente do seu lado. Enquanto você berrava qualquer estupidez e xingava a minha mãe, eu olhava pela janela. Observava os pequeninos pingos da chuva que, ainda tímida, caía do céu. Olhei pra você e lembrei de como foi te conhecer, há três anos atrás.

Eu perguntei se você se lembrava como tinha me conhecido e você disse que lembrava e que foi quando a sua vida começou a se transformar em um inferno, porque, você falou, eu era a pior das putas que você já tinha comido. Eu tentei não rir, mas esbocei um sorriso. Você me chamou de vadia e me bateu.

Foi nessa hora que eu abri a porta do carro, te xinguei de alguns nomes e fui andando sem rumo. Você foi me acompanhando, enquanto gritava como eu era feia e que iria morrer sozinha, porque eu era uma puta. Continuei andando e você foi embora. Eu não iria morrer sozinha, enquanto tivesse um maço de marlboro red.

Fiquei tentando pensar no que tinha feito de errado. Será que foi demais abrir mão da minha vida para viver a sua? Quero dizer, a gente se conheceu na rodoviária e eu decidi nunca mais voltar pra minha vida idiota. Mas, agora, penso, minha vida idiota era muito melhor sem você. Sem seus ataques e surtos. Sem suas exigências. Você nunca me amou. Você só queria alguém que te obedecesse.

Será que eu era mulher demais pra você? Será que eu tinha opinião demais, falava demais? E, por isso, eu era uma puta, feia, inútil? Continuei pensando nisso, enquanto pedia uma passagem para o Rio de Janeiro à atendente.

Ela me olhou com pena quando viu o roxo do meu olho. Meu marlboro estava quase acabando. Será que eu errei ao aceitar me submeter a todas as suas fantasias sexuais? Inclusive, às que, no fundo, eu não queria? "Obrigada, o ônibus sai em 10 minutos", ela falou. Obrigada, quis dizer, mas só sorri.

Mais um cigarro. Será que eu estou errada? Último trago e entrei no ônibus. Será que, afinal de contas, eu sou mesmo uma vadia? Sentei na poltrona, abracei minha mochila e chorei.

Abri os olhos e vi o horizonte com um pôr-do-Sol lindíssimo. Vitória é linda. Sorri. Será que a culpa é minha?

Suspirei e decidi aceitar uma verdade que neguei durante três fodidos anos. Não, a culpa não é e nunca será minha.

Um sensação de redenção me invadiu naquele momento. Então, prometi a mim mesma: a partir de agora, as coisas vão mudar.