Dentro do ônibus


No ponto de ônibus, Ana esperava. Esperava, sem esperar. Era como se estivesse grogue, como se o efeito colateral da vida fosse exatamente aquele. O cansaço pesava mais do que os livros na mochila, mais do que pesava a força que a puxava para o chão. E a vontade era dormir ali mesmo, naquele deserto de concreto.

Sem perceber seus próprios movimentos, quando deu por si, já estava dentro do ônibus, com a cabeça encostada na janela. A cabeça batia no vidro a cada quebra-mola. Num desses, Ana saiu do transe e percebeu que ainda faltava um bom caminho até chegar em casa.

Eram quase meia-noite. Olhou para fora do ônibus e notou que estava chovendo. Notou que seu cabelo estava um pouco úmido, também. O ônibus parou em um sinal vermelho que parecia fazer graça com o tempo. Tentando fugir do transe, os olhos de Ana procuraram qualquer coisa que a deixasse interessada o suficiente para não dormir e perder o caminho de casa.

Num poste, estava o cartaz. O cartaz. Ele dizia: "O amor pode dar certo". Ela apertou bem os olhos para ter certeza do que lia. Ajeitou-se no banco, um pouco incomodada com o recado que a vida acabara de lhe dar. Um pouco emburrada. Um pouco cética, um pouco crédula.

E, de repente, a cidade falava com ela. As ruas formavam milhares de pequenos rostos que sorriam harmoniosamente. Os postes eram como minhocas que repetiam, porém de forma desordenada, a frase que ela havia acabado de ler. 

Os semáforos, pequenos insetos, voavam sempre em bando, um atrás do outro. Vermelho, amarelo e verde. "Por que não azul, também?", pensou Ana. E sorriu. Ela sabia que não fosse o cansaço, o sono, o transe, talvez, pudesse realmente entender o que estava acontecendo.

A cabeça bateu mais uma vez no vidro da janela e o juiz apitou o fim do jogo:

- Esse é o ponto final, moça.