O dia


Chovia. Mas não era qualquer chuva. Chovia como se o dia estivesse entristecido, angustiado. E ela lá estava, a observar o cair da chuva sobre a cidade, o caminho das gotas em sua enorme janela. De repente, começou a chover de um outro jeito. A água caía forte, dura, pesada. "Chove como se algo grandioso estivesse para acontecer", pensou. Depois riu do que pensou. "Que bobagem, coisas incríveis acontecem a todo momento, sem que seja preciso chover". Pensou mais e acabou duvidando de si mesma, a fim de encerrar aquele devaneio estúpido.

Estava trancada naquele quarto de hotel há algumas semanas. Só abria a porta para receber o café da manhã. Mas, às vezes, esquecia-se de comer. O telefone estava desligado, para evitar as inúmeras ligações. Todos os dias, sua mãe deixava rosas, bolos e coisas do tipo na recepção. Ela nunca ia buscar. Ana estava tentando lidar com a perda de seu pai. Afinal, havia, também, perdido parte de si mesma.

Eles não se falavam fazia cinco anos, quando o câncer decidiu desligar seu pulmão de vez. Ela foi ao seu enterro. Um dia claro, bonito, cheio de pessoas que pareciam estar, realmente, saudosas. Mas não chorou. Pouco antes do final da cerimônia, Ana foi para o seu hotel favorito da zona sul do Rio de Janeiro e pediu o apartamento da cobertura.

Agora, lá estava ela, observando a vida passar, enquanto tentava viver de novo. "Queria ter dito o quanto eu te amava", sussurrou e, logo em seguida, a campainha tocou. Era uma criança. Uma menina, com lindíssimos olhos esverdeados.

- Querida, como você é linda! Onde estão seus pais? - disse Ana.

A menina sorriu, daquele sorriso que faz a gente fechar os olhos. Parecia um anjo. Ana se abaixou e perguntou se ela estava perdida. A menina balançou a cabeça, dizendo que não, e esticou a mão, como se a convidasse para ir a algum lugar. Ana não pensou muito e, encantada pela beleza da pequena que permanecia parada à sua frente, deu-lhe a mão.

Ana olhou para trás, lembrando de que havia deixado a porta aberta. Porém, não resistiu em nenhum momento em seguir os passos da menina. Elas pararam ao final do comprido corredor, de frente à uma enorme e transparente janela, que se estendia até o teto. Ainda estava chovendo. A menina se afastou um pouco de Ana e apontou para fora da janela. Ana sorriu, sentia-se, pela primeira vez nesses últimos dias, feliz.

Quando Ana olhou para onde a menina apontava, viu - ou pensou ver - aquele rosto terno e amável do pai. Pensou sentir o carinho que não sentia há décadas, pensou dizer as palavras que sempre quis ter dito, pensou até não pensar mais. Quando deu por si, estava aos prantos, ajoelhada ao final do corredor. Alguém tocou em seu ombro. Pensou ser a menina, mas assustou-se ao ver a camareira.

- A senhora está bem? Precisa de ajuda? - perguntou, apreensiva, a funcionária.

Ana estava um pouco tonta, não havia entendido exatamente o que tinha acontecido. Correu para o seu quarto e chorou, chorou a alma.

Quando acordou, já era dia. Olhou pela janela e sorriu. O Sol brilhava, como se o dia estivesse extremamente feliz.